O mais cruel em nós



      Em 20 anos tu casaste, tiveste dois filhos, nunca foste feliz. Eu corri o mundo, tive vários trabalhos, encontrei uma vocação, escolhi o meu lugar, vivi em três países diferentes, viajei para sítios impossíveis, conheci pessoas, conheci-me a mim, apaixonei-me, partiram-me o coração, sobrevivi, experimentei, desisti, retomei o caminho, mantive-me fiel a mim, berrei, fui chata, dei murros na mesa, fugi, mudei e vida, voltei, perdi rotinas, ganhei outras... vivi, mas também nunca fui realmente feliz. Hoje soube que ainda me vês como modelo... ou meta. Hoje soube que descruzar-nos te partiu o coração e que não o conseguiste reconstruir. Apesar do casamento. E dos filhos. E da vida que te roubou a alma. Hoje tive pena. E senti culpa. Culpa de não te ter obrigado a pisar-me os passos. Culpa de tentar descobrir o mundo sem o teu regaço. Culpa de ter ousado viver sem ti. Culpa de o ter conseguido fazer. Culpa de ter contribuído para que nenhum de nós tivesse realmente encontrado o seu lugar. O tempo fica mais curto todos os dias. Chama-me e eu vou. Mas chama-me primeiro.

in, Queres antes aprender a voar?

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