Mudamos esta noite
E como tu
eu penso no fogão a lenha
e nos colchões
eu penso no fogão a lenha
e nos colchões
onde levar as plantas
e como disfarçar os móveis velhos
Mudamos esta noite
e não sabíamos que os mortos ainda aqui viviam
e não sabíamos que os mortos ainda aqui viviam
e que os filhos dormem sempre
nos quartos onde nascem
nos quartos onde nascem
Vai descendo tu
Eu só quero ouvir os meus passos
nas salas vazias.
nas salas vazias.
Segundo
o Observador a última vez que se publicaram os ‘Poemas Quotidianos’ de António
Reis foi em 1967, há 50 anos. Ora, a editora Tinta da China resolveu
resgatá-los do esquecimento e cria um dos grandes acontecimentos literários do
ano.
António
Reis nasceu em Valadares, Vila Nova de Gaia em 1927 e morreu em Lisboa, em
1991, em consequência de uma pneumonia. Na sua vida, no seu cinema, como na sua
poesia tudo é enganadoramente simples e tudo está sempre na iminência de
escapar ao que julgávamos saber.
As
figuras femininas e os objectos domésticos dos poemas de Reis só têm paralelo
noutro poeta da imagem, Bela Tarr, em especial no filme “Cavalo de Turim”,
onde, tal como em Reis, o ambiente fechado, quase concentracionário, a
repetição, o hábito, até a erosão da rotina, das dúvidas, da falta de dinheiro,
dos desencontros servem para ele traçar o seu quadro do desespero humano e, ao
mesmo tempo, fazer transparecer a dimensão sagrada das ligações, dos objectos,
da casa. “Só as casas explicam que exista/ uma palavra como intimidade”,
escreveu Ruy Belo. Mas Reis não enuncia a partir de uma compreensão exterior,
demonstra a partir de uma sensação interior:
Sei
ao
chegar a casa
qual de
nós
voltou
primeiro do emprego
Tu
se o ar
é fresco
eu
se deixo
de respirar
subitamente.
Sei que choras
muitas vezes
sozinha
muitas vezes
sozinha
e que lavas
o rosto
o rosto
(ah onde
ando eu)
ando eu)
Para a tua dor
não ser minha.
in, artigo de Joana Emídio Marques no 'Observador', 6 de Agosto de 2017.
não ser minha.
in, artigo de Joana Emídio Marques no 'Observador', 6 de Agosto de 2017.
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